Em razão da pandemia do novo Coronavírus – Covid-19, a comunidade científica mundial vem buscando incessantemente descobrir medicamentos e vacina que possam conter a propagação do vírus e a imunização da população.
Enquanto perduram as pesquisas, os especialistas, que já sequenciaram o genoma do novo coronavírus, encontraram no medicamento Hidroxicloroquina um resultado positivo na diminuição da carga viral no paciente, levando-o a remição da doença, em muitos casos clinicamente agravados.
Ressalte-se que a administração de tal medicamento, que é indicado para afecções reumáticas, dermatológicas e malária, não tem indicação farmacológica para o Covid-19.
Cada medicamento registrado no Brasil possui aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão regulador vinculado ao Ministério da Saúde.
Dentre suas atribuições indelegáveis estão o registro de medicamentos, visando o bem-estar físico, mental e social da sociedade.
Para que sejam aprovadas as suas indicações, são necessárias que sejam comprovadas a qualidade, eficácia e segurança desse medicamento baseando-se em avaliações de estudos clínicos que comprovem, mais especificamente, os dois últimos requisitos citados.
Contudo, existe uma prática paralela ao uso de tais medicamentos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua medicamentos off label como todas as indicações usuais que não foram descriminadas em bula ou que ainda não possuam sua indicação aprovada pela agência reguladora para o fim no qual foi destinado.
Nos EUA, o uso off label é uma prática legal. Porém, o FDA (Food and Drugs Administration) regulamenta a comercialização de medicamentos que ainda não possuam estudos aprovados para as indicações prescritas por profissionais de saúde.
No Brasil, para o Ministério da Saúde, o uso off label apenas se justifica quando as indicações estiverem apresentadas em estudos científicos com perfis comparativos, apresentando custo-benefício além de eficácia, efetividade e segurança na sua indicação.
A prática off label pode elevar os riscos de danos à saúde, portanto, não tem aprovação da agência reguladora brasileira. Embora a prática não seja incorreta, são necessários anos de estudos e ensaios clínicos para então se concluir uma nova indicação de um medicamento.
Diante do quadro pandêmico do Covid-19, onde milhares de pessoas ao redor do mundo estão sendo infectadas e mortas e ainda sem a descoberta de um remédio ou vacina específicos, deve ser ministrada a Hidroxicloroquina, cuja experiência já rendeu resultados positivos, mesmo não sendo autorizada pela ANVISA?
Aqui cabem algumas ponderações no âmbito do Direito Médico Brasileiro sobre a responsabilidade médica na indicação de medicamentos dessa natureza.
O Código de Ética Médica preconiza em seu artigo XXI que “no processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.”
Como se vê, a aceitação do médico assistente sobre a escolha e consentimento por parte do paciente/familiar encontra respaldo legal, nas hipóteses de procedimentos terapêuticos cientificamente comprovados, o que inocorre com a medicação em análise.
Na indicação terapêutica de remédio sem aprovação científica, o médico assistente carreia para si a responsabilidade por eventuais danos ocasionados ao paciente decorrentes da administração do medicamento, tanto na esfera ético-profissional quanto cível e criminal.
A indicação terapêutica de medicamento off label deverá ser prescindida de um “Termo de Consentimento Informado” pelo paciente ou familiares visando minimizar a responsabilidade do profissional na hipótese de consequências danosas em razão da administração do medicamento.
Acerca da “chance de cura”, aqui nos deparamos com uma outra situação embaraçosa para o médico assistente, na medida em que, como já é de conhecimento público os bons resultados da hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19, especialmente em casos graves, sua não indicação poderá trazer responsabilização ao médico em caso de óbito do paciente, porquanto não tentada, como última chance. Tal desfecho poderá acarretar discussão judicial em ação indenizatória contra o médico e/ou hospital.
A “perda de uma chance” é uma construção doutrinária francesa e adotada por outros Países, com plena aceitação jurisprudencial em nossos Tribunais.
Assim, cabe ao médico a decisão difícil em administrar um medicamento não regulamentado para a doença mas que, empiricamente, tem trazido resultados satisfatórios no tratamento da Covid-19.
Dr. José Salamone, é advogado especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Universidade de Coimbra e pela Escola Paulista de Direito. (www.salamone.com.br) (advocacia@salamone.com.br)